Bullying: o desafio da educação no século XXI.

Especialista no combate e prevenção ao bullying, Benjamim Horta explica que a prática, como forma sistematizada de violência, requer uma forma sistematizada de prevenção.

 

Implicância, intimidação, humilhação, discriminação, agressões físicas e verbais realizadas repetidas vezes e sem motivação especifica. O bullying é um comportamento que aflige milhares de estudantes. Segundo dados de 2018 do Fundo das Nações Unidas para a Infância, o Unicef, cerca de 150 milhões de estudantes em todo o mundo, com idades entre e 15 anos, relataram sofrer bullying no ambiente escolar.

 

Em entrevista Revista Escada, o filósofo, pedagogo, escritor, pesquisador de Psicanálise e especialista em Educação e Direitos Humanos Benjamim Horta apresenta um panorama sobre o fenômeno e reflete sobre o comportamento que motiva crianças e adolescentes a praticarem o bullying e também sobre os efeitos que ele pode causar em quem é vitima.

 

Horta que também é fundador da Abrace – Programas Preventivos, além de consultor e especialista capacitado pelo Olweus Bullying Prevention Program, situado na Universidade de Clemson (EUA), ainda esclarece qual o papel da escola e da família no combate à prática.

 

 

Revista Escada – O que é bullying e o que o caracteriza? Qualquer “gozação” ou agressão sofrida por uma criança pode ser considerada bullying?

BENJAMIM HORTA –  Segundo o pioneiro em estudos sobre o fenômeno bullying, Dr. Dan Olweus, um aluno está sofrendo bullying quando é submetido de maneira repetitiva e durante um tempo a ações negativas de outro ou outros colegas, apresentando dificuldades de se defender. Isto significa que, para que um ato de agressão seja caracterizado como bullying, é necessário que seja repetitivo e que haja também um desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas, além do próprio ato de violência, é claro.

 

É importante saber que nem toda agressão ou conflito que ocorrem na escola vem a ser bullying, como nem toda brincadeira é de fato brincadeira ou “gozação”. No entanto, quaisquer que sejam os atos que afetam a integridade física e/ou psicológica da criança e do adolescente, devem ser evitados e prevenidos adultos inseridos neste contexto.

 

 

Revista Escada – O bullying é um fenômeno recente?

BENJAMIM HORTA – Os estudos sobre o bullying foram iniciados oficialmente na década de 70, porém, acreditamos que o fenômeno sempre existiu. A diferença é que antigamente não se dava a devida importância a esse comportamento, e muitos chegavam a acreditar que a dinâmica do bullying era um rito de passagem para a vida adulta, ato necessário para o fortalecimento emocional do indivíduo, o que é um grande equívoco. Felizmente, como a sociedade evolui, comportamentos que antes eram aceitáveis tornam-se questionáveis a partir do momento em que fica evidente os malefícios causado por esta forma de violência.

 

RE – A tecnologia e as redes sociais intensificaram o problema? De que forma?

BH: Certamente. A tecnologia é um grande benefício para a sociedade contemporânea, mas, se não utilizada de forma correta, pode acarretar em profundos danos para jovens usuários de redes sociais e jogos. A falsa sensação de anonimato quando se utiliza um perfil, acaba propiciando a prática do que chamamos de cyberbullying, que é o mesmo que bullying, porém praticado no ambiente virtual. Além disso, pesquisas recentes mostram que os danos causados pelo cyberbullying são mais graves que o bullying verbal e físico.

 

Acredito que isso ocorra devido à superexposição causada pelas redes sociais, pelo número de participantes ser muito maior do que o de uma escola ou sala de aula e, principalmente, por não haver onde “se esconder” na rede, criando um formato de bullying que exponha o aluno 24 horas por dia. Por isso, é vital que eles aprendam a utilizar de forma apropriada tecnologia, buscando promover ética tanto dentro quanto fora da rede, e que pais monitorem o uso de computadores e celulares de seus filhos.

 

 

“Estudos realizados com estudantes que sofrem bullying, constataram que há três vezes mais chances de uma vítima desenvolver algum transtorno de ansiedade, comportamento depressivo e sintomas psicossomáticos.”

 

 

RE – O bullying pode ser encarado como um problema exclusivo da escola? Onde está a origem dele?

BH – O bullying não é problema exclusivo da escola. De fato, este formato de agressão ocorre em vários ambientes, inclusive no local de trabalho, entre familiares, e na sociedade de forma geral. No entanto, a principal linha de trabalho preventivo é o que chamamos de bullying escolar, ocorre entre estudantes. Existe uma multiplicidade de fatores que contribuem para o surgimento do bullying, dentre eles, dinâmicas sociais, ambiente familiar inadequado, transtornos mentais, e até mesmo questões culturais. Cada caso requer uma anamnese cuidadosa a fim de se obter a real causa da agressividade de determinados alunos, e as melhores práticas de intervenção.

 

RE – O que motiva o autor do bullying?

BH – As causas são variadas e exigem de nós uma atenção especial a cada caso. Há casos em que o estudante utiliza o bullying para expressar uma frustração, enquanto outros fazem do bullying um mecanismo de manutenção do poder e status na escola. Em nosso Programa Escola Sem Bullying, fazemos uso das teorias do médico e psicanalista Donald Winnicott, e a maneira como ele percebe a manifestação da agressividade adolescente, e apontam para suas reais causas.

 

Devemos, no entanto. ficar atentos a dois mitos relacionados aos praticantes de bullying: em primeiro lugar eles não são solitários, ao contrário do que muitos acreditam, Eles possuem um grupo de seguidores que os apoia e os empodera. Em segundo lugar, de acordo com pesquisas realizadas pelo Dr. Dan Olweus geralmente agressores possuem uma autoestima positiva. Por isso, muitas vezes, chegam a ser carismáticos e terem perfil de liderança, porém utilizam isso de forma negativa.

 

 

RE – Como identificar quem é alvo de bullying? Existe um perfil da criança e do adolescente que sofre este tipo de agressão?

BH – Vitimas de bullying geralmente possuem características que os destacam do restante da turma, seja timidez, introversão, altas habilidades/superdotação ou dificuldades em suas interações sociais. Geralmente, alunos que apresentam demandas emocionais ou físicas, são escolhidos como alvo de bullying justamente por aparentarem vulnerabilidade ou incapacidade de reagir ou reivindicar. Por isso, a necessidade de um sistema preventivo que promova o acolhimento de todos, quaisquer que sejam suas características físicas ou comportamentais, e que estimule o empoderamento de quem é tido como alvo, ao invés de mantê-lo sob o status de vítima.

 

 

“Pais e cuidadores são aqueles que notam com maior facilidade mudanças no comportamento habitual da criança ou adolescente, e por isso, podem ser mais assertivos na detecção e intervenção de casos de bullying”.

 

 

RE – Como ser vítima de bullying pode afetar a criança ou o adolescente?

BH – O bullying é um comportamento que causa graves consequências para quem sofre, como também para quem pratica. Estudos realizados com estudantes que sofrem bullying, constataram que há três vezes mais chances de uma vitima desenvolver algum transtorno de ansiedade, comportamento depressivo e sintomas psicossomáticos. 

 

Além disso, quando não dada a devida atenção, tais problemas podem se estender fase adulta do indivíduo. Pensamentos suicidas, comprometimento da autoestima, fobia escolar, queda no rendimento acadêmico são outras graves consequências do bullying. Para os agressores, instabilidade emocional, rendimento acadêmico baixo, vandalismo, e uso de álcool e outras substâncias são as marcas da prática do bullying, que surge, como um fator precipitante.

 

 

RE – Quem atua como espectador – omitindo ou se divertindo com o fato – também participa do bullying?

BH – Existem vários tipos de espectador. Há por exemplo os seguidores do bully, isto é, aqueles que participam diretamente da agressão, uma vez iniciada pelo agressor principal. Em seguida temos os apoiadores, que não participam diretamente do bullying, mas manifestam apoio explicito aos agressores. Este grupo é tão nocivo quanto os bulhes, porque dão poder e popularidade ao agressor e, por serem a maioria, contribuem para a disseminação do clima negativo na escola.

 

 

RE – Em qual idade escolar costumam acontecer mais casos de bullying?

BH – Esse dados são muito relativos. Percebemos que a forma de bullying evolui de acordo com a idade, gênero, nível de desenvolvimento etc. Falar em quantidade não significa que o problema seja menor. Um exemplo disso é o bullying no Ensino Médio, onde o percentual reduz consideravelmente, mas enfrentamos, muitas vezes, os casos mais graves devido ao requinte de crueldade.

 

Um exemplo dessas variações são as pesquisas realizadas pelo OBPP nos Estados Unidos; nestas pesquisas foi constatado que no 5° ano do Fundamental I, meninas praticavam mais bullying do que meninos Em contrapartida. no 8° e 9° anos, meninos quase dobravam esse percentual, beirando os 13%, comparados com 5% de meninas. Na mesma pesquisa, percebeu-se que em média das meninas e meninos do 3° e 4° anos do Fundamental I sofriam bullying.

 

 

RE – Meninos e meninas praticam e lidam com o bullying de maneiras diferentes?

BH – Sim. Meninos, tendem a utilizar a força física, ou agressões verbais para a prática do bullying. No caso de meninas, agressões psicológicas, sociais e cyberbullying são mais frequentes. No entanto. na adolescência isso tende a mudar, e o bullying se torna mais velado, por eles conseguirem se articular melhor em forma de grupo. Neste caso, o bullying social “entra em jogo”, o que dificulta consideravelmente a detecção e intervenção do problema. Quanto á forma de lidar com o bullying, isso vai depender de cada estudante escolhido como alvo.

 

Há casos em que as meninas entraram em profunda depressão, desenvolveram fobia escolar ou até mesmo eram o ano letivo. I Iá outros casos em que meninas se tornaram mais agressivas com outras pessoas, ou até mesmo tentaram revidar bullying sofrido. Com meninos não é diferente; depressão e fobia escolar são sintomas muito presentes, mas a agressividade, no caso deles, ficará mais latente. Basta notar os tiroteios em escolas ocorridos por vingança do bullying A maioria, se não todos, foram efetuados por meninos.

 

 

RE – O que fazer em sala de aula quando se identifica um caso de bullying? Qual o papel do professor nestes casos?

BH – Primeiramente, é essencial que o professor entenda que ele é um referencial ético no ambiente escolar (e também fora dele). Isto significa que sua postura deve constantemente se opor a qualquer prática de bullying, deixando isso claro em todos os sentidos.

 

Caso o professor presencie um ato de violência ou bullying, é importante saber que o quanto antes for feita a intervenção, melhor. Isto evita que o problema se amplie e cause o que chamamos de contaminação social. Ao fazer essa intervenção, a turma entenderá qual o seu posicionamento em relação ao bullying, e o aluno escolhido como alvo, possivelmente se sinta também acolhido.

 

Justamente por isso, em uma das etapas do Programa Escola Sena Bullying, treinamos todo o corpo docente, a fim de fazerem a intervenção de forma apropriada e restaurativa.

 

 

RE – Qual o papel da família em relação ao bullying?

BH – O papel da família é primordial no processo de prevenção ao bullying. Pai e cuidadores são aqueles que notam com maior facilidade mudanças no comportamento habitual da criança ou adolescente, por isso, podem ser mais assertivos na detecção e

intervenção de casos de bullying. Além disso, a conscientização, promoção da autoestima e o ensino da empatia devem ser cultivados no ambiente familiar, e reforçados no ambiente escolar. Portanto, manter um canal de diálogo com os filhos é de fundamental importância, mostrando-se disponível para uma escuta ativa, em busca de uma solução participativa, Caso seja constatado que a criança ou adolescente tem sofrido bullying, é importante procurar a escola o quanto antes, a fim de que juntos possam buscar uma solução eficaz para o caso.

 

RE – Como a escola ou a família podem suspeitar ou identificar se uma criança ou jovem que está sofrendo bullying ?

BH – Um aluno vítima de bullying apresenta certos sinais, que podem ser percebidos por aqueles que fazem parte do seu convívio. São eles: mudança em seu comportamento habitual, resistência para ir escola ou para atividades colegas, queda inexplicável nas notas, hematomas e ferimentos sem explicação, sintomas como dor de cabeça ou dor no estômago, fala de cunho suicida, alterações no sono ou apetite, evitar agrupamentos sociais, comportamento triste ou depressivo e evitar falar sobre a escola.

 

 

RE- Na prática, como a escola pode combater o bullying?

BH – Se bullying é uma forma sistemática de violência, precisamos de um trabalho sistemático de prevenção. Este trabalho requer a implementação de um sistema preventivo composto por práticas pedagógicas que forneçam os devidos fatores de proteção, e que venham se sobrepor aos fatores de risco, estrategicamente. Além disso, todos os espaços que pertencem ou interagem com o ambiente escolar devem estar inseridos no trabalho de prevenção. Aproveitar o currículo para abordar o tema, por exemplo, oportuniza que professores abordem o bullying em sala de aula.

 

 

RE – Neste cenário, qual o papel da Lei de Combate ao Bullying?

BH – A lei número 13.185/2015, que instituiu o Programa Nacional de Combate à Intimidação Sistemática, determina que todas as instituições de ensino em território nacional realizem trabalhos de prevenção ao bullying. Ainda que tenha demorado, termos uma lei federal sobre o tema é essencial para que a sociedade entenda a seriedade do bullying e a necessidade de preveni-lo. Como caráter propositivo e não punitivo, inclusive para o agressor, a lei estabelece diversas ações que visam abordar de forma apropriada o tema, incluindo educadores, pais, e comunidade estudantil. Além disso, estar em consonância com esta lei, pode evitar que a escola responda legalmente por negligência ou processo jurídico por prática de bullying, evitando também manchar a imagem da instituição.

 

 

Sinepe/PR e Abrace – Programas Preventivos distribuem cartilha “Escola Sem Bullying”

A fim de prevenir a prática do bullying e promover a cultura de paz, o Sindicato das Escolas Particulares – Sinepe/PR lançou – em parceria com a Abrace – Programas Preventivos a cartilha “Escola Sem Bullying”. Em duas versões, uma para pais ou responsáveis e outra para estudantes, o material aborda questões como o uso seguro da internet, ações de prevenção, conceito de bullying e suas causas, além de dicas para identificar vítimas e o que fazer caso a criança ou o adolescente se encontre nesta situação.

 

Falar sobre esse assunto é de extrema importância. E, além dos estudantes, os pais e toda sociedade precisam participar do diálogo para que as estratégias de prevenção se tornem eficazes’, pontua a presidente do Sinepe/PR, Esther Cristina Pereira.

 

A cartilha foi impressa e distribuída para todas as instituições de ensino associadas ao Sindicato e também disponibilizada em formato online (Baixe aqui) para que as escolas possam compartilhar o material com alunos e suas famílias.

 

 

Revista Escada – SinepePR 
Entrevistado: Benjamim Horta – Diretor da Abrace – Programas Preventivos

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