Afeto e atenção são fundamentais para desenvolvimento das crianças, dizem estudos.

Uma cestinha pendurada na porta do quarto de Davi , de 4 anos, dá o recado: ali não entra celular. Colocar o objeto na maçaneta foi a ideia da mãe, a advogada Manoela Gambardella, para lembrar de guardar o telefone sempre que for brincar — uma estratégia para que sua atenção esteja totalmente voltada para o filho. A prática, segundo duas pesquisas publicadas este mês, pode render mais que momentos preciosos em família. Um estudo feito pela Universidade de Indiana, nos EUA, mostrou que pais que se distraem com outras coisas enquanto brincam com os filhos podem gerar prejuízos cognitivos nos pequenos. Outro relatório da Faculdade de Medicina da Universidade de Washington revelou ainda que o afeto das mães pode fazer o cérebro da criança se desenvolver mais rapidamente.

A participação efetiva dos responsáveis na criação dos filhos está diretamente relacionada ao desenvolvimento das crianças. E o assunto está entre os temas em debate no evento “Educação 360 Infância”, que acontece no dia 30 de junho, no Museu do Amanhã, no Rio, e é uma realização do jornal O GLOBO e “Extra”, em parceria com a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, com o Banco Mundial, o BID e a Fundação Lemman. O seminário tem ainda o apoio da TV Globo e do Canal Futura.

 

Teste de distração

Publicado na revista científica “Currently Biology”, o estudo dos pesquisadores de Indiana observou as brincadeiras de 36 pais e seus filhos de 1 ano de idade para entender se a falta de atenção dos responsáveis poderia fazer com que os pequenos também se tornassem desatentos. Durante a análise, os pesquisadores constataram que os pais que se distraíam com outras coisas enquanto brincavam com os filhos causavam perda de atenção nas crianças.

— É sabido que a capacidade das crianças de manter atenção é um forte indicador de sucesso posterior em áreas como aquisição de linguagem e resolução de problemas. Cuidadores cujos olhos vagueiam enquanto as crianças brincam parecem ter um impacto negativo sobre a atenção dos bebês — explica Chen Yu, psiquiatra e principal autora da pesquisa de Indiana.

Durante o estudo, parte dos pais direcionou os filhos a pegar determinados brinquedos, restringindo o direito de escolha da criança, enquanto outros deram suporte e atenção às crianças a partir do objeto escolhido por elas, o que contribuiu para aumentar a concentração. Os testes mostraram que quando pais e bebês prestavam atenção em um determinado brinquedo por mais de 3,6 segundos, as crianças continuavam olhando para o mesmo objeto por mais 2,6 segundos depois que os cuidadores dispersavam. Esse tempo é quatro vezes maior que o dos bebês cujos responsáveis se distraíam.

— Tudo que aprendemos nos dois primeiros anos da vida é feito com os pais, então o cérebro se acostuma a usar os pais como referência de tudo. Se o pai muda o comportamento, a criança também pode mudar — explica o psiquiatra da infância e adolescência Caio Abujadi.

Em meio a uma rotina caótica de trabalho, Manoela, que admite ser “viciada em celular”, conta que passou a se policiar para aproveitar melhor o tempo com o filho:

— Resolvo minha vida toda por celular, é um exercício me desligar. Para entrar no mundinho dele, eu deixo minhas preocupações do lado de fora.

A empresária Waleska Lopes, mãe de Miguel, de 2 anos, também adota a prática de dedicar atenção exclusiva ao filho:

— Não fico com ele o tempo que desejo, mas compenso dando total atenção. Não tem como mexer no celular com aquela fofura do lado.

Cérebro de iniciante

Além da assistência, o amor das mães traz um ganho extra para Davi e Miguel. Uma análise de 127 crianças feita por pesquisadores da Universidade de Washington observou que uma parte importante do cérebro se desenvolve até duas vezes mais rápido naqueles que têm mães afetuosas, principalmente nos seis primeiros anos de vida da criança.

— Acreditamos que isso se deve à maior plasticidade cerebral quando a criança é menor, o que significa que o cérebro é afetado mais fortemente por experiências no começo da vida — explica a psiquiatra Joan Luby.

Como método, os pesquisadores filmaram a mãe durante uma tarefa estressante, ao mesmo tempo em que precisava monitorar o filho — que, para compor o cenário, recebeu um presente que não poderia abrir imediatamente. As mães que mantiveram o controle concluindo sua tarefa e dando assistência ao filho foram consideradas mais afetuosas.

O crescimento do hipocampo — área do cérebro relacionada à memória, aprendizado e controle das emoções — das crianças também foi monitorado por meio de ressonâncias magnéticas periódicas, desde sua vida pré-escolar até a adolescência. A conclusão da pesquisa foi que o apoio emocional na infância contribui para melhor desempenho escolar e maior êxito na vida adulta.

— O desenvolvimento infantil depende de fatores genéticos e ambientais. O que os trabalhos não dizem é se esse tipo de interação inadequada pode levar a um comprometimento grave — observa o neuropediatra Clay Brites, professor da Unicamp.

 

Fonte: O Globo

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